Hanya

Uma das juízas da Comissão dos Dez Senhores do Luofu. Ela é responsável pelo "interrogatório" entre os quatro juízes da detenção, interrogatório, encarceramento e punição.
Ela tem a responsabilidade de discernir os pecados dos criminosos e escrever suas punições usando o Pincel do Oráculo.
Como seu trabalho diário depende muito da oneiromancia, ela recebe constantemente um grande fluxo de informações relacionadas à Mara e se desapegou dos assuntos mundanos.
Apenas quando está na presença da sua irmã, Xueyi, ela demonstra um vislumbre de seu coração carinhoso.

O caixão colossal, semelhante a uma embarcação desolada à deriva em uma tempestade, balança no meio das correntes tumultuadas do oceano da consciência. Ondas de raiva, saudade, ódio, medo e exaustão colidem sobre ela como explosões incolores, impulsionando-a de uma dimensão turbulenta para outra.

Como uma alma afogada, ela finalmente abandona sua individualidade e se dissolve no oceano ilimitado do caos...

"Houve uma época em que ela ocupou o cargo de oficial na Comissão de Manutenção do Reino, lidando constantemente com montanhas de deveres mundanos, ansiando por uma promoção. Por fim, após um estalo agudo que ecoou no fundo da mente, ela começou a vagar pelas ruas como um cadáver irracional..."

"No momento seguinte, sobrecarregada por uma tristeza imensurável, ela submergiu seu bebê com defeitos congênitos em um recipiente cheio de material de cultura de esquife estelar, apesar do desejo ávido dela e do marido pelo bebê recém-nascido..."

"Quando era Cavaleira das Nuvens, ela foi cruelmente atingida pela pata traseira de um lobo. Seu rosto foi mutilado pelas garras afiadas, com um "sorriso" distorcido entalhado. Nos anos seguinte, sempre que ela sorria, a ferida causava uma dor torturante..."

"A divinação revelou que sua vida estava à beira do esquecimento. Desesperada, ela redefiniu o terminal de cálculo da Matriz de Presciência, tentando acessar o núcleo para utilizar seu poder total. No entanto, o poder da Matriz dizimou sua mente sem piedade..."

"Ela despedaçou a engenhoca criada minuciosamente, assim como o capataz que dificultou as coisas para ela de propósito. Naquele momento, ela percebeu que nunca realizaria o sonho de se tornar artesã, mas o que mais ela poderia fazer?"

Ela se tornou cada um deles, todos eles. No entanto, naquele momento, como uma gota de tinta caindo sobre o olho, uma imagem rodopiou e se dissipou.

"Sob o céu azul, ondas de trigo subiam e fervilhavam ao seu redor. Um par de mãos ágeis coroou delicadamente sua cabeça com uma coroa de flores. Ela permitiu que a folhagem, as folhas e as flores perfumadas a envolvessem, assim como as mãos carinhosas a abraçaram..."

Esse calor familiar a sacode da enxurrada prestes a consumir tudo.

Ela percebe que não é nenhum deles, nem a soma deles. Naquele instante passageiro, ela se reduz a uma minúscula gota dentro do oceano da consciência. Ela se lembrou do seu nome e de seu dever.

Ela é uma juíza da Comissão dos Dez Senhores, com o codinome "Hanya".

Observando seu despertar, o Aurumaton ao lado do caixão começou a escrever depressa, com movimentos rápidos demais para serem discernidos a olho nu.

O veredicto do julgamento foi revelado e os nomes que se materializaram em seus sonhos foram transcritos em uma ficha de ábaco de jade. À medida que o crepúsculo se funde com a noite no domínio, inúmeras almas se despedem pela última vez do reino mortal, sem saber que o momento exato de sua morte foi registrado por alguém nos recantos mais profundos da embarcação do Xianzhou. E, dentro de algumas horas, a mulher não terá mais nenhuma lembrança deles.

No lado oposto do caixão, um juiz trajando uma túnica branca a encarou com um olhar inabalável. Na ausência de sorrisos, aquela face, outrora familiar, agora parecia particularmente estranha. O juiz estendeu a mão, e exibiu uma jarra dourada em sua mão.

Contido na jarra, há um licor tão verde quanto jade, um olho esmeralda que a encara sem piscar de dentro dos cofres sombrios do Salão do Carma.

"É hora de beber novamente? Eu quase me esqueci." Ela levantou do caixão. "Por que você está me trazendo vinho no lugar da Yepo, irmã?"

"Yepo... Você não se lembra, não é?" As pálpebras da irmã dela se fecharam pela metade. É assim que ela demonstra preocupação. Entretanto, falta delicadeza ao Engenho que forma o corpo da irmã dela para transmitir essa expressão, e ao invés disso, passa a sensação de estar sonolenta. "A Yepo perseguiu os Discípulos do Sanctus Medicus e sofreu ferimentos fatais. Os Dez Senhores concederam permissão para que ela perecesse."

Ela mudou de assunto rapidamente. "Como era o alvo que você perseguiu hoje? Foi difícil lidar com ele?"

"Muito difícil. Ele quebrou uma das minhas mãos e destruiu meu joelho assim que o encontrei. O canalha parece ter conhecimento sobre a composição dos Engenhos, o que indica que ele é, realmente, o artesão do Zhuming de anos atrás. Eu gravei os movimentos dele. Por meio de estudos e análises, um dia eu serei capaz de superá-lo."

Ela observou sua irmã falar sobre aquela fuga da morte com aparente indiferença, como se estivesse discutindo a quebra de um objeto inanimado. "Vamos ter que incomodar a Huohuo de novo para te consertar."

"Bem, a Huohuo... Ela foi promovida a juíza há cerca de doze dias. Atualmente, a Shouling é quem está encarregada de realizar a manutenção dos Engenhos."
Com um movimento leve e preciso, sua irmã colocou a jarra dourada na borda do caixão, além do alcance dela. O vinho dentro da jarra estava parado, sem uma única onda.

"Beba esse Vinho do Esquecimento, e você esquecerá tudo. Você não precisa ir tão longe, minha querida irmã. Eu devo pagar pelos meus erros com minhas próprias forças, sozinha." Assim como no sonho que ela havia tido, sua irmã colocou as mãos gentilmente sobre a cabeça dela, mas ela não sentiu nem mesmo o mais leve sinal de calor.

"É apenas um pequeno efeito colateral de beber o Vinho do Esquecimento. Se eu acabar esquecendo tudo sobre você, então nós duas poderemos enfrentar nosso perecimento sem fardo algum. Pela benevolência dos Dez Senhores, essa promessa foi gravada nas profundezas do Salão do Carma."

"E, nesse momento, abandonaremos tudo e entraremos no sono eterno." Ela se inclina um pouco para frente, pressionando a mão gelada da irmã em sua bochecha.

Ela pega a jarra de vinho da borda do caixão e, com um esforço, consome o líquido viscoso, gole a gole. Apesar de ser chamado de "vinho", falta todo o sabor pungente e revigorante. Ao invés disso, tem gosto de óleo drenado do corpo de um Aurumaton.

"Mas antes desse momento fatídico, permita-me realizar mais algumas tarefas para você, para os Dez Senhores e aquele general."

O vinho que ela bebe se transforma em uma densa pílula de mercúrio, percorrendo seus membros e ossos. Memórias que ela se recusa a recordar, fragmentos da sua existência humana de milênios atrás, ressurgem momentaneamente antes de desaparecerem aos poucos...

Ela viu a estrela carmesim conhecida como "Rahu" suspensa no alto entre as nuvens no topo do Cangcheng do Xianzhou, pulsando como um coração. Ela se abriu lentamente, revelando um núcleo composto de pedras, tendões e galhos. Ela os consumiu vorazmente e pariu incontáveis descendentes, como um predador faminto se alimentando ou uma mãe prestes a dar à luz.

Sob o luar horripilante, ela testemunhou os Vulpes do Yaoqing do Xianzhou manobrando os esquifes estelares inutilmente, como moscas impotentes tentando derrubar um gigante invencível, apenas para serem esmagados e reduzidos a faíscas cintilantes no ar por naves bestiais dos Borisin.

Uma árvore colossal e ambulante aproximou-se dela em meio ao caos do campo de batalha. Ao estender os inúmeros galhos, ela empalou todos que estavam no caminho, inclusive seus companheiros. Quando ela segurou a espada fraturada, pronta para uma luta desesperada, de repente viu um rosto sorridente desabrochar na árvore, um reflexo do rosto de sua irmã.

"Sou eu, irmã querida. Não está me reconhecendo?"

Os galhos e as folhas farfalharam e os rostos dos companheiros brotaram como frutas das copas das árvores, emanando risadas estridentes. "Não sucumba à morte. Não se acostume com isso. Aceite-me... Faça parte de mim..."

Flores irromperam na sua espada, que foi desintegrada em ferrugem dentro de poucos segundos. Galhos flexíveis coroaram delicadamente sua cabeça com uma coroa de flores. Ela permitiu que a folhagem, as folhas e as flores perfumadas a envolvessem, assim como as mãos carinhosas a abraçaram...

Uma espada colossal e flamejante perfurou suas visões, queimando a atmosfera doce, porém pútrida, quase sufocando-a. Uma figura imponente, vestindo uma armadura extraordinária, caiu no campo de batalha como um meteoro, gritando para a grande árvore com o heroísmo que definia seu nome. No entanto, nem mesmo aquele guerreiro corajoso conseguiu romper o embaraço sufocante causado pela árvore gigantesca...

É aquele sonho de novo. Aquele recorrente. Não importa quantos goles do Vinho do Esquecimento ela beba, não consegue escapar do pesadelo.

Ela engoliu o vinho com um esforço visível, desesperada, até que o sonho finalmente se transformou em uma nuvem enigmática de fumaça. Tudo o que resta é o pensamento solitário de um sono reparador, despedindo-se da vigilância.

De um lado do caixão, uma juíza com toga branca fixa o olhar no ataúde lacrado. Era algo rotineiro observar o sono da irmã durante seus dias como humana.

Ela não sente mais dor ou qualquer arrependimento. A consciência que reside em seu crânio a informa que observar o sono da irmã é um dever árduo, semelhante ao que ela fez consigo mesma.

Fazer julgamentos cármicos e proferir sentenças são tarefas profundas, e tais responsabilidades devem ser confiadas exclusivamente a juízes que se desprenderam do mundo mortal, mas permanecem sintonizados com as emoções das pessoas, ao contrário dos aurumatons. Apesar de conseguir discernir as mudanças sutis no tom das palavras humanas e detectar músculos enrijecidos em semblantes pesarosos, nada disso é capaz de provocar sequer um pequeno abalo dentro de seu coração forjado de aço. E nenhuma magia pode trazer de volta suas emoções humanas. É por isso que precisam da sua irmã na Comissão dos Dez Senhores.

Um Representante Aurumaton Espectral aproxima-se dela. "Uma nova tarefa?" A juíza com toga branca se volta para o representante.

"Se deseja permanecer e cuidar da madame Hanya, posso pedir para outros juízes assumirem a tarefa."

"Não precisa. Não quero decepcioná-la. Além disso, cheguei a um acordo com os Dez Senhores. A cada malfeitor que eu prender, vão conceder a mim a liberdade de retornar ao reino mortal por metade de um dia. Ela está dentro do caixão há muito tempo e eu gostaria de dar a ela uma chance de aproveitar o sol."

"Então, por favor, prepare os receptáculos sagrados e inicie o exorcismo, madame." O Aurumaton se inclinou, fazendo reverência.

A juíza de toga branca olha atentamente para a escuridão, permanecendo sem emoção. Dentro de seu coração que não bate mais, reside uma simples aspiração: que a irmã tenha um sonho delicado e feliz...

Que ela sonhe com mãos ágeis a coroando gentilmente com uma coroa de flores na cabeça.